Filho de um humilde carpinteiro, Julien Sorel sonha com uma
vida intensa e gloriosa. Sua desmedida ambição o leva a conviver com a
burguesia provinciana e com a aristocracia parisiense. Ainda assim, Julien
continua a ser um pobre no mundo dos ricos. A partir desses elementos, Stendhal
criou um magistral romance psicológico, considerado o mais significativo da
literatura francesa do século XIX.
*****
Perdido no interior da França, o filho de um comerciante de
madeira nutre sonhos de grandeza heroica, sem se dar conta de que ficaram para
trás os tempos em que um jovem tenente de artilharia podia tornar-se cabeça de
um Império. Este livro é a narrativa desse desencontro histórico, em suas
menores reverberações. No rescaldo da derrota de Napoleão, as carreiras são
tortuosas e os amores são difíceis. Para chegar a Paris, Julien Sorel passará
por um seminário de província, aceitará um posto subalterno junto a uma grande
família e será amante de duas mulheres únicas e díspares.
*****
A Ambição e seus Limites
O enredo do livro desenrola-se em um contexto histórico
específico: a restauração na França, isto é o período logo após a derrota de
Napoleão que abarca os anos de 1814 até 1830. Trata-se de um período de
ressurgimento do conservadorismo baseado na implantação de uma monarquia
constitucional (rei Luis XVIII) e na retomada da influência da igreja católica.
A obra acompanha o percurso atribulado do personagem Julien
Sorel. Apesar de nascido em condições sociais adversas - filho de família de
origem camponesa e cujo pai é dono de uma serraria - alimenta o projeto de
enriquecimento e ascensão social. Frente às escassas opções para alguém com sua
origem em uma sociedade aristocrática e enrijecida, Julien opta pela carreira
eclesiástica como atalho para alcançar seu fim.
O percurso de Julien ao tentar cumprir seu projeto de vida
nos é descrito pelo autor em três fases. A primeira corresponde ao seu
envolvimento com a família do sr. Rênal - prefeito da cidadezinha fictícia de
Verrières, que o contrata para ser preceptor de seus filhos. A segunda
transcorre no seminário de Besançon onde Julien ingressa a fim de preparar-se
para seguir a carreira eclesiástica. A terceira transcorre em Paris para onde
segue Julien a fim de trabalhar como secretário do Marquês de La Mole.
Embora inteligente e dedicado a incorporar o padrão de
comportamento e etiquetas aristocráticos, Julien, em cada uma dessas três
diferentes etapas, depara-se reiteradamente com o obstáculo de sua origem
social ao tentar levar adiante seu projeto de ascensão. Ressentido por perceber
a chance escassa de vir a ser aceito como um igual no seio da aristocracia e
enredado em romances atribulados com mulheres situadas em um patamar social
superior ao seu o enredo evolui para um desfecho muito diverso do pretendido
pelo nosso personagem.
Stendhal, além de demonstrar a força da sociedade
aristocrática em limitar o potencial e as qualidades de Julien - jovem,
ambicioso e inteligente - nos oferece um retrato rico e envolvente de um
período de transição histórica onde uma aristocracia ainda dominante emprega
seus esforços em preservar seus privilégios e refrear a ascensão de uma
burguesia emergente. Leitura mais do que recomendável!!! ( Mario Tompes )
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Identidade em Crise: uma resenha crítica de O Vermelho e o
Negro
Em O Vermelho e o Negro, a princípio, Stendhal nos remete ao
habitual ambiente bucólico consagrado pelo movimento romântico do século XIX.
Julien Sorel, seu personagem, se mostra, à priori, como um um ente frágil e
disperso; um verdadeiro sujeito fragmentado em seu ainda não totalmente
desenvolvido processo de individuação; aquele através do qual concretiza-se
identidade própria através do devir, da superação das contradições enfrentadas
bem como das experiências vividas, no incorrer da maturidade.A perspicácia de
Stendhal sugere-nos, em nítido e expresso conteúdo filosófico permeado em sua
obra, não o retrato móvel - e quiçá espalhafatoso - de uma crise identitária
mas sim, mais precisamente, faz-nos apreender em seus diversos momentos, as
idas e vindas não só de uma consciência moralmente instável mas, de uma verdadeira
identidade em crise. Tal fato teria seu subsídio no truculento ambiente
familiar de Julien Sorel. Este, vítima de abusos físicos e psicológicos por
parte de seu pai e irmãos, lhe é imposta à livre definição de sua
individualidade, uma conflituosa flutuação entre a reprovação de seu
comportamento e a violência à ele dirigida por sua aparente “natureza frágil”;
destacadamente, frente à primazia de sua inteligência, uma franca dissonância
para com os árduos trabalhos braçais da madeireira de seu pai, o velho Sorel. Esta
identidade em crise, absolutamente inseparável da trama principal, coloca à
este jovem rapaz, intencionalmente deslocante, sempre imerso em uma noção de
movimento, momentos que caracterizam rupturas; deixar sua família, o
distanciamento para com o ideal de Napoleão, incursões e dispersões apaixonadas
em relação à mulheres, constantes viagens e um incerto câmbio dos meios pelos
quais atingirá seus sonhos e Desejos. Este quadro de rupturas fornecerá, esta
matéria prima a qual, ao desenrolar de seus momentos culminantes, em desfechos
que acompanham ao passo que desafiam o gênero romântico, agem quase como
degraus que o elevam a garantir-se personalidade e se tornar um Ser que na
medida em que progride torna-se cada vez mais complexo e autêntico.Este
atualizar constante da personalidade e das vontades de Sorel torna toda a
história proposta numa inebriante mistura de drama e tragédia; uma progressão
rumo à edificação de uma autêntica e marcante personalidade, verdadeira
oscilação que entre o Vermelho e o Negro, sobressai-se um Sorel cada vez mais
certo de si.Stendhal não economiza adentrar aos rincões mais obscuros da
consciência humana; ganância, joguetes de poder, orgulho, vaidade, prepotência,
hipocrisia. Todo entre aprofundamento psicológico meio às podridões moralmente
reprováveis da alma humana é marca de um estilo crítico, livre e necessário
para com a naturalidade de sua proposta, através de uma sutil, quase gramatical
ironia, estes conflitos constituem nada mais do que a própria realidade
destituída de grandes alardes. O ser humano emerge aqui, destacadamente em
Julien Sorel, como essencial e moralmente relativista, composto de uma
intrincada síntese de diversos predicados os quais conferem à obra como um
todo, uma verdadeira representação universal.
Neste sentido, a artificialidade própria dos salões
franceses ou mesmo o evidente jogo de interesses subordinados da aristocracia
provinciana em seus âmbitos propriamente ditos são determinantes; são como
verdadeiras exteriorizações desta complexa e contraditória amálgama que o
consciente romântico de Stendhal propõe à nossa observação.Stendhal, como dito,
parte de um cenário comum pertencente à uma literatura já há muito explorada e
difundida. No entanto, ilustra sua destreza ao integrar, à plenitude de um
descritivismo equilibrado, um cativante novíssimo frescor ao roteiro do que
seria uma narrativa já esperada. Stendhal adiciona à fórmula romântica um
crescendo exponencial de profundidade, bom senso, complexidade e de um imersivo
sentimento em constante catarse, o qual perpassa-nos a saga do jovem Sorel. Este,
longe de se enquadrar em moldes de herói romântico, quebra totalmente com as
preconizações de estilo e gênero ao ser posto como um ente falho, vítima de uma
consciência que oscila entre uma despretensa leveza e o martírio sobre a
retenção de suas angústias frentes à impulsividade e o imperativo absolutamente
incontingente de seus interesses ideais e carnais.
Sorel longe de quitar-se completamente à uma ‘’futilidade do
mundo” e imergir em uma angústia existencial própria, incorpora em si mesmo as
mais superficiais vaidades e, assim, denota-se marcante em sua personalidade, a
despeito de suas incumbências religiosas, uma cumplicidade para com as paixões
mais terrenas, as quais afirmam em si, um caráter egocêntrico, passional e
claro, profundamente hedonista. Seu percurso, ao transcorrer da obra, longe de
ser maçante e retilíneo é inundado por atentas percepções e articuladas
estratégias. Em interessantíssimas digressões de pensamento tomadas das atentas
observações de Sorel ou mesmo na figura de um suposto filósofo, estabelecem-se
francas interlocuções as quais é confuso afirmar se é Sorel ou o próprio
Stendhal que que nos conecta à uma ponte direta entre o desenvolvimento da
trama e a necessária detenção de seus momentos específicos, para com o leitor,
em uma reflexão quase como conjunta.
Define-se, então, uma marca de estilo autêntica que pela
simplicidade empregada em todo seu vocabulário, em sua divisão piedosa de
capítulos, e ausência de escrúpulos quanto ao ordinário, qualifica esta obra
como uma leitura densa e profunda ao passo que fluida e apreensiva.
Toda a proposta literária elaborada por Stendhal
estabelece-se em alicerces que constituem um aprofundamento gradualmente
intenso da trama psicológica que se prescreve. Um aglomerado denso, cativante e
emocionalmente carregado se traduz não só durante toda a trama mas,
destacadamente, ao seu final, num sentimento de profundo êxtase, identificação
e eterna separação para com Julien Sorel. Neste ponto, este crítico em
específico, acredita em uma interessante aproximação não só da exploração do
âmbito moral e imoral em questões práticas bem como toda a edificação
constitutiva de Julien Sorel como uma curiosa ressonância entre este mesmo e
Willhelm Meister, do romance de formação Os Anos de Aprendizagem de Willhelhm
Meister, de Goethe.
Destacando assim, em suas devidas proporções, a profundidade
desta obra prima de Stendhal, não obstante, ter-se qualificado como uma das
Imortais da Literatura Universal justamente, frente á universalidade e destreza
com as quais Stendhal pinta, com científicas dissecações e matizes estudadas, a
natureza do ser humano. ( J.Jardin )
O Vermelho e o Negro é a história de Julien Sorel, o ambicioso
filho de um carpinteiro, na aldeia fictícia de Verrières, no Franco-Condado.
O romance é composto por duas partes: a primeira transcorre
na província como tutor dos filhos dos Rênal e depois no seminário em Besançon,
a segunda em Paris como secretário do marquês de La Mole.
Primeira parte
O primeiro livro apresenta Julien Sorel, que preferia gastar
seu tempo lendo ou sonhando com a glória do exército de Napoleão a trabalhar
como carpinteiro no quintal do pai ao lado de seus irmãos. Julien Sorel acaba
se tornando um acólito do cura Chélan, que mais tarde lhe assegura um lugar de
tutor para os filhos do prefeito de Verrières, Sr. de Rênal.
Sorel, que parece ser um clérigo piedoso e austero, na
realidade tem pouco interesse na Bíblia, além de seu valor literário e a forma
como ele pode usar passagens memorizadas para impressionar as pessoas
importantes (passagens que ele, aliás, aprendeu em latim).
Após a sua chegada a casa dos Rênal, Julien Sorel
apaixona-se pela Sra. de Rênal (mulher tímida e ingênua). A Sra. de Rênal era
bondosa com este, e, pouco a pouco, sem se aperceber, apaixona-se por Julien,
envolvendo-se com ele. A relação de adultério entre estas duas personagens será
revelada, mais tarde, pela camareira da Sra. de Rênal, Elisa. Esta pretendia
casar com Julien Sorel, que negou o seu amor. Então, para se vingar, Elisa
contou a toda a cidade que a sua patroa e o empregado eram amantes (perante
isto os habitantes reconheceram que Julien era um homem moderno). Depois desta
revelação à cidade, chegou a vez do Sr. de Rênal receber em sua casa uma carta
anônima, acusando sua mulher e Julien de serem amantes. As ordens do cura
Chélan é que Sorel vá para um seminário em Besançon. Apesar de seu ceticismo
inicial, o diretor do seminário, o abade Pirard (um jansenista e, portanto,
ainda mas odiado que os jesuítas na diocese), começa a gostar de Sorel e
torna-se seu protetor. Quando o abade Pirard deixa o seminário desgostoso com
as maquinações políticas da hierarquia da Igreja, salva Sorel da perseguição
que iria sofrer na sua ausência, recomendando-o como secretário do Marquês de
La Mole, um legitimista católico.
Segunda parte
O Livro II, que começa antes da Revolução de Julho, narra a
vida de Sorel em Paris com a família do senhor de La Mole. Apesar de se
movimentar na alta sociedade e de seus talentos intelectuais, a família e seus
amigos menosprezam Sorel devido à sua origem plebeia. O ambicioso jovem está
consciente do materialismo e hipocrisia da elite parisiense. O espírito
contrarrevolucionário da época torna impossível mesmo para homens bem-nascidos,
com intelecto e sensibilidade estética superiores, participar dos assuntos
públicos na nação.
Sr. de La Mole, que gostava de Sorel, leva-o para uma
reunião secreta e o envia em uma perigosa missão para a Inglaterra, onde ele
retransmite a um destinatário não identificado uma carta política que ele
aprendeu de cor. Sorel aprende a mensagem de forma mecânica, mas não consegue
avaliar o seu significado. É na realidade parte de uma conspiração legitimista,
e o destinatário é presumivelmente um aliado do duque d'Angoulême, então no
exílio, em Inglaterra. Assim, arrisca sua vida para servir a essa facção a que
mais se opõe. Ele se justifica, pensando apenas em ajudar o senhor de La Mole,
um homem que ele respeita.
Mathilde de La Mole, filha do empregador de Sorel, ao longo
dos meses anteriores, estava dividida entre o crescente interesse em Sorel por
suas admiráveis qualidades pessoais e sua repugnância em se envolver com um
homem de sua classe. Ela seduz e rejeita Sorel duas vezes, deixando-o muito
feliz e orgulhoso por ter ultrapassado seus pretendentes aristocráticos.
Durante a missão diplomática, o príncipe russo Korasoff lhe propõe um plano
para conquistar Mathilde. Seguindo estas instruções a um custo emocional
grande, ele finge desinteresse nela e provoca seu ciúme, utilizando uma coleção
de 53 cartas prontas de amor que recebeu do príncipe para atrair a Sra. de
Fervaques, uma viúva do círculo social da família.
Mathilde de la Mole volta para Sorel, e finalmente revela
que está grávida. Antes do retorno de Sorel para Paris durante a missão, ela se
tornou oficialmente noiva de um de seus muitos pretendentes, Sr. de Croisenois,
um homem jovem amável, rico e que iria herdar um ducado.
O Sr. de La Mole fica lívido com a notícia da gravidez, mas
começa a ceder em face da determinação de sua filha e sua afeição real por
Sorel. Ele concede a Sorel uma propriedade que lhe traz uma renda e um título
de nobreza, e um posto no exército. Ele parece pronto para abençoar um
casamento entre os dois, mas sofre uma dramática mudança quando recebe uma
carta, escrita pela Sra. de Rênal, a pedido de seu confessor, avisando que
Sorel é nada mais que um alpinista social que ataca as mulheres vulneráveis.
Ao saber por Mathilde da decisão do Sr. de La Mole de nunca
abençoar um casamento, Sorel corre para Verrières e atira em sua ex-amante
durante a missa na igreja da cidade. Ela sobrevive, mas os capítulos finais do
livro seguem o caminho de sua condenação e execução pelo crime.
Apesar dos incansáveis esforços para salvar a sua vida por
Mathilde, Sra. de Rênal e os eclesiásticos dedicados a ele desde seus primeiros
anos, Sorel é condenado à morte. Não há lugar na sociedade francesa
contemporânea para um homem nascido sem nobreza e fortuna, e suas pontes foram
queimadas.
Embora o amor de Mathilde permaneça o mesmo, suas visitas à
prisão, com seu componente romântico exibicionista, aborrecem a Sorel.
Quando Sorel descobre que não matou Sra. de Rênal, seu amor
por ela, que permaneceu no fundo da sua mente durante todo seu tempo em Paris,
ressuscita. Ela vem visitá-lo regularmente em seus últimos dias, e morre de
tristeza depois que ele é decapitado. Mademoiselle de La Mole reencena a
história da rainha da França Margarida de Navarra do século XVI, visitando o
corpo de seu amante morto, Boniface de La Mole, e beijando os lábios de sua
cabeça decepada. Mathilde de La Mole leva a cabeça de Julien Sorel ao seu
túmulo e transforma o seu local de enterro em um santuário decorado com esculturas
italianas.
Significado do título
O título original era simplesmente "Julien", mas
depois Stendhal substituiu-o por Le Rouge et le Noir (O Vermelho e o Negro),
que parece ser um título enigmático, sobre o qual Stendhal nunca deu uma
explicação.
Existem por isso várias interpretações.
A mais comum é que o vermelho simboliza o exército e o negro
o clero. Assim, durante todo o romance, o protagonista hesita entre o exército,
e a sua paixão por Napoleão, e o clero, que lhe permitiu concluir os estudos e,
por conseguinte, favoreceu a ascensão social. A ideia vem do jornalista Emile
Fargues, justificando que "o vermelho significa que, no início, Julien, o
herói do livro, tinha sido soldado; mas na época em que vivia, ele foi forçado
a usar a batina". Mas alguns contrapõem que, em 1830, o uniforme do
exército francês era azul, não vermelho. E além disso, o romance em si também
nos dá traços: é a cor branca que Julien associa ao exército, pois se lembra de
ter visto na sua infância "um certo cavaleiro do 6º, com uma longa capa
branca."»
Outros fazem alusão à roleta, comparando o destino a um jogo
de azar: pode cair no vermelho ou preto; alguns também acreditam nas cores da
guilhotina, no vermelho da paixão e no negro da morte, à tensão entre Marte e
Saturno .
Mas deve-se notar que Stendhal tende a dar aos seus romances
títulos com nomes de cores, tais como O Vermelho e o Negro, A Rosa e o Verde,
Lucien Leuwen (O Vermelho e o Branco).
O Vermelho e o Negro e a sua época
O caso Berthet
O caso Berthet (1827) representa a principal fonte de
inspiração de Stendhal para o enredo do seu romance . Este caso foi do seu
conhecimento dado que ocorreu em Brangues, pequena aldeia da sua região: o
Isère. Julgado no Tribunal de Isère, estava relacionado com a execução de
Antoine Berthet, filho de pequenos artesãos, que um padre assinalou muito cedo
pela sua inteligência e que ajudou a entrar num seminário (católico). De saúde
frágil, Berthet foi forçado a deixar o seminário e as suas condições de vida
muito duras e encontrar um emprego. Tornou-se o preceptor dos filhos da família
Michoud e, em seguida, muito rapidamente, o amante de Madame Michoud, a quem
teve de deixar muito depressa. Após uma nova estadia num seminário mais famoso
do que o anterior (o de Grenoble), Berthet encontra um novo lugar de preceptor
numa família nobre desta vez, os Cordon, onde seduz a filha do patrão, que o
descobre sem demora. Muito desgosto por não encontrar "posição" para
a sua grande inteligência, Berthet decide vingar-se. Entra na igreja na sua
aldeia quando o velho padre diz a missa, e dá um tiro de pistola na sua antiga
amante, Madame Michoud. O seu julgamento ocorreu em dezembro de 1827, tendo sido
executado em fevereiro de 1828 com vinte e cinco anos de idade .
O caso Lafargue
O caso Lafargue ocorreu em 1829. Lafargue, um marceneiro,
tinha alugado um par de pistolas e a seguir, apos disparar dois tiros de
pistola na sua amante, Thérèse Loncan, decapitou-a enquanto ainda estava viva.
Foi julgado pelo Tribunal dos Altos Pirenéus em março de 1829. Stendhal falou
ele próprio deste caso em Promenades dans Rome (Passeios em Roma): «se agora se
mata no povo, é por amor, como Otelo. Ver a admirável defesa do Sr. Lafargue,
trabalhador marceneiro».
Estudo social, político e histórico
O Vermelho e o Negro é também um romance histórico, pois
Stendhal tenta desvendar os bastidores da Revolução de 1830, tendo como pano de
fundo a estrutura social da França da época, as oposições entre Paris e a
província, entre a nobreza e a burguesia, entre os jansenistas e os jesuítas.
Stendhal que, de facto, frequentava o Hotel de Castries,
palácio de família de alta nobreza francesa e mais tarde sede de vários
ministérios do governo de França, faz neste romance e, cinco anos mais tarde,
em Vie de Henry Brulard (Vida de Henry Brulard), uma descrição exacta da
época.
Um romance psicológico
Para Nietzsche, Stendhal é o último dos grandes psicólogos
franceses. Stendhal, um dos mais belos "perigos" da minha vida -
porque tudo o que perdurou em mim me foi dado em aventura e não por recomendação,
- Stendhal tem méritos inestimáveis "a dupla visão psicológica,"um
sentido do fato que recorda a proximidade dos maiores dos realistas ("ex
ungue Napaleonem" "pela mandíbula (se reconhece) Napoleão"),
enfim, e esta não é a menor das suas glórias, um sincero ateísmo que só
raramente se encontra em França, para não dizer quase nunca (...) Talvez eu
tenha mesmo inveja de Stendhal. Ele roubou-me a melhor expressão que o meu
ateísmo pudesse ter encontrado: "a única desculpa de Deus é a de não
existir."»[10] [11] Em "O Vermelho e o Negro", Julien Sorel é
objecto de um estudo profundo. Ambição, amor, passado, tudo é analisado. O
leitor segue com interesse crescente os meandros de seu pensamento, que
condiciona as suas acções. Mathilde de la Mole e Madame de Rênal não são
esquecidas. As suas respectivas paixões por Julien, iguais uma à outra, são
colocadas em perspectiva. Todo o mundo é colocado a nu sob a pluma de
Stendhal..
********
Entre todos os romances produzidos na história da literatura
mundial, O vermelho e o negro é o mais clássico, vasto, célebre, radical e
brilhante. A saga romântica de Julien Sorel e suas "eternas e
definitivas" amadas Sra. de Rênal e Mathilde de La Mole é um livro marco
dentro da arte de escrever e do romance, além de retratar como ninguém as complexas
relações sociais na França do período da Restauração napoleônica.
Inspirado em fatos reais (um escândalo entre famílias de
destaque da burguesia francesa), O vermelho e o negro rompe com a tradição do
romantismo, introduzindo o realismo no romance francês. Henri Beyle, dito
Stendhal, nasceu em Grenoble, na França, em 1783 e morreu em Paris em 1842.
Brilhante, culto, foi figura de destaque no mundo intelectual de sua época.
Lutou na Itália e permaneceu no exército até 1802. Sua experiência italiana
rendeu-lhe muitas obras, entre elas o famoso relato Promenade dans Rome.
Escreveu vários ensaios sobre arte e uma História da pintura. Como romancista,
suas obras mais importantes são este O vermelho e o negro e A cartuxa de Parm.
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