segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O Homem Revoltado - Albert Camus

Em "O homem Revoltado", o autor faz vários questionamentos de ordem filosófica. Coloca-se a favor da liberdade humana e da dignidade do indivíduo, e contrário ao comunismo, aos regimes totalitários e ao terrorismo, pois incitam a revolta humana, os assassinatos e a opressão. Muito mais do que um ensaio, é uma obra contra os crimes de Estado, com destaque para aqueles ocorridos durante o regime stalinista. Segundo Camus, não há crime que possa ser justificado em nome da História.

Albert Camus mostra toda a sua personalidade por si só revoltada, com o objetivo da superação e da procura de um caminho, já que termina de escrevê-la alguns anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Apesar da morte precoce, Camus deixou um legado para a sociedade e para cada indivíduo, iluminando os problemas da consciência humana.



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"O Homem Revoltado", de Albert Camus (1913-1960), está sendo lançado no Brasil pela editora Record, 45 anos depois de ter provocado a mais importante polêmica intelectual da França do pós-guerra e selado a ruptura do escritor com o grupo existencialista de Jean-Paul Sartre.
Os ecos desse debate -que opôs, nas páginas da revista "Temps Modernes", o "realismo" político de Sartre (então alinhado com os comunistas) e o "idealismo" de Camus- durante muito tempo relegaram o livro à categoria de um libelo moral, de um apelo impotente à consciência ética frente à mecânica implacável e violenta da história.
Apesar disso, percebe-se hoje uma releitura geral da obra de Camus. Isto se deve, em parte, a acontecimentos editoriais -a publicação do romance inacabado "O Primeiro Homem" (Nova Fronteira) e da biografia "Albert Camus: Uma Vida", de Olivier Todd, que será lançada pela Record no próximo ano-, mas talvez indique também a atualidade de um autor que representa uma estranha alternativa tanto ao engajamento do existencialismo quanto ao pensamento antiantropomórfico do estruturalismo (as duas últimas correntes hegemônicas da filosofia francesa).
A cumplicidade no absurdo
Num breve resumo, pode-se dizer que "O Homem Revoltado" procura mostrar que todo movimento político tem como substrato uma revolta metafísica contra nossa condição mortal e que o esquecimento dessa injustiça primeira -que deveria criar a solidariedade entre os homens- faz com que as revoluções degenerem em tirania, ou seja, numa injustiça secularizada, terrena.
Há uma clara relação de continuidade entre "O Homem Revoltado" e o primeiro ensaio filosófico de Camus, "O Mito de Sísifo" (1942), que afirmara ser o sentimento do absurdo aquilo que define a condição do homem, dilacerado entre o desejo de compreender a realidade e a opacidade indiferente do mundo, entre seu desejo de durar e seu destino de morte.
Já no início de "O Homem Revoltado", aliás, Camus afirma que a revolta nada mais é do que a cumplicidade no absurdo: "O mal que apenas um homem experimentava torna-se peste coletiva" -uma referência tanto ao "Sísifo" quanto ao romance "A Peste", do qual "O Homem Revoltado" é uma espécie de contrapartida teórica.
Preocupado com as legitimações da violência pelas ideologias de seu tempo, Camus irá privilegiar em "O Homem Revoltado" o exame dos movimentos políticos que explicitamente quiseram solucionar o absurdo coletivo pelo engajamento histórico.
Para isso, ele evoca uma série de teorias e de figuras emblemáticas (históricas ou ficcionais) que, em cada recorte temporal, encarnam a "revolta metafísica" contra Deus (Sade, Ivan Karamázov, Lautréamont, Rimbaud, Nietzsche, os surrealistas) e sua laicização, a "revolta histórica" (Saint-Just, Hegel, Marx, os anarquistas, os terroristas russos, Hitler).
Para o filósofo François Ewald -importante estudioso da obra de Foucault-, ele realiza assim uma espécie de fenomenologia da revolta: "O procedimento de Albert Camus não deixa de lembrar o Hegel de 'A Fenomenologia do Espírito': ele toma deste a dialética do senhor e do escravo, cujo princípio também é o de fazer da relação com a morte o princípio de todo valor, e (...) a idéia de que esta relação ao mesmo tempo se encarna em figuras históricas movidas por dialéticas impiedosas".
Ao contrário de Hegel, porém, Camus não suspende a reflexão moral, confiando num método analítico que coincidiria com o próprio movimento do espírito e que encontraria sua plena imanência ética no fim da história, superando então suas violentas contradições.
Para Camus, a opacidade do mundo retira qualquer transcendência à história e, portanto, qualquer sentido que a razão pudesse desvelar nela, dotando-a de finalidades que justificassem ações políticas amorais.
A revolta, em contrapartida, seria uma ação cuja temperança estaria num valor de solidariedade à dor humana que nunca transigisse em fazer do assassinato uma norma -mas que conservasse, nos atos violentos eventualmente necessários aos movimentos de libertação, sua excepcionalidade e sua paixão.
Com isso, Camus denunciava o caráter messiânico do pensamento hegeliano-marxista (que seduzia filósofos tão sutis quanto Merleau-Ponty e Sartre), opondo ao otimismo "científico" da revolução -que "consiste em amar um homem que não existe ainda"- o caráter antiutópico da revolta, que se solidariza com um homem e com um mundo já existentes.
Toda a originalidade de "O Homem Revoltado" está nessa tensão entre a recusa em pensar antropomorficamente o real como uma superfície inteligível e, ao mesmo tempo, retirar de sua desrazão essencial uma constelação de valores, evitando assim o niilismo.
Entretanto, ao percorrer as páginas de "O Homem Revoltado", nenhum leitor sensível de Camus pode perder de vista o escritor de "O Avesso e o Direito" e de "O Estrangeiro". E não apenas porque "O Homem Revoltado" é um livro maravilhosamente bem escrito (o que poderia ser apenas uma desculpa para suas "inconsistências" teóricas), mas porque ele explora suas questões até os limites da própria reflexão filosófica.
"Hoje, quando o pensamento não aspira mais ao universal, quando sua melhor história seria a dos seus arrependimentos, sabemos que o sistema, quando é válido, não se separa de seu autor. (...) O pensamento abstrato reencontra, enfim, seu suporte de carne", escreveu ele em "O Mito de Sísifo".
A partir daí, podemos ver como o "pensamento do meio-dia" que Camus defende em "O Homem Revoltado" não é simplesmente um refúgio desesperado no idealismo moral, mas a fidelidade a um mundo pessoal e consciente de sua fragilidade.
Camus nunca perde de vista que suas obstinações -o equilíbrio entre natureza e história, entre hedonismo solar e comprometimento político, entre nostalgia da justiça e consciência da gratuidade dos acontecimentos- são invenções de um universo lentamente delineado em ensaios, romances e peças teatrais.
Mas também é verdade que esse processo de criação desvenda o movimento mais geral, pelo qual artistas e filósofos tentam criar, na superfície da escrita, um mundo coerente e justo, que corrija nosso desacordo e nossa revolta frente à realidade. 


                                                  Manuel da Costa Pinto

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