quinta-feira, 22 de agosto de 2019

O Vendedor de Judas - Tércia Montenegro


O vendedor de Judas, livro de contos de Tércia Montenegro, revela uma escritura sensível aos dramas da condição humana. Os personagens que habitam as suas próprias filas são simplesmente convidados a participar em situações de destaque ou inusitadas, mas em primeiro lugar na sua fé ingénua, numa obsessão amorosa, na vida, sem sublime, sem patético, na solidão e nas inúmeras facetas que podem assumir o drama humano. E o aperto the seres, nossos semelhantes, a que a sua palavra de ordem, o grande problema nas memórias, a leitura, o que não é ver tudo: é ver o que nobody consegue ver.
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Foi devido à minha curiosidade que encontrei o livro que motivou este texto. Vendo tantos ali esquecidos, parei o que estava fazendo e remexi em velhas páginas, provavelmente nunca lidas antes.
Me deparei então com a branca e fina obra de uma autora da qual nunca ouvira falar; até aquele momento. E mesmo cometendo o velho pecado de julgar um livro pela capa, separei-o e deixei à mesa.
Inevitavelmente, sempre que me sentava àquela mesa, folheava a obra e observava as ilustrações que passavam rapidamente perante meu olhar. Quando alguma me chamava a atenção, voltava à página e olhava sem realmente entender aquelas imagens.
E mais uma vez a curiosidade me incentivava a saber mais sobre aquele livro e suas também curiosas ilustrações. Vencendo meu pré-julgamento, descobri do que ele realmente se tratava. Foi então que uma lâmpada acendeu-se em minha mente: "São contos!", exclamou o cérebro.
Contos! A paixão recém descoberta através dos escritos de Moacyr Scliar ardeu novamente em meu peito e eu não poderia deixar de ler aquele livro o mais rápido possível.
Enfim, o livro
Cinco páginas para despertar a minha já citada curiosidade, três para roubar a atenção e mais quatro para ter uma opinião completamente positiva a respeito da obra e de sua autora. 12 páginas foram o suficiente para considerar O Vendedor de Judas uma de minhas leituras favoritas.
A obra traz dezoito singulares e curtos contos, todos acompanhados de ilustrações, que só fazem real sentido depois de lida a história encabeçada pela figura. Quanto mais se observa, mais detalhes se encontra. E é nesse ciclo de observar, ler e retornar páginas para enfim compreender a gravura, que se desenvolve o livro.
E a partir da terceira ou quarta repetição deste ciclo, já não é mais possível fechar o livro e não voltar a lê-lo.
Tão admirável quanto o estilo de escrever é a idade com a qual Montenegro lançou sua obra de estréia: apenas 22 anos. Um fato que até hoje, 20 anos depois, impressiona quem lê o conjunto de contos.
E sabendo deste fato, não nos perguntamos quantos jovens escritores ainda não descobertos existem por aí?

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Histórias feitas das sensações e experiências de personagens em um cotidiano simples, mas às vezes surpreendentes. Entre o realismo e o mistério, os dezoitos contos que formam o livro falam de amores impossíveis, o temor da morte, saudade, presságios e fatalismo numa prosa lírica e sem disfarces.
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A arte do Conto de Tércia.
Para quem tem a visão de que a prosa feminina é, por si só, sensível, certamente não leu ainda a prosa de Tércia Montenegro. Distante da metafísica de Clarice, apesar de leitora assumida, Tercia traz nas costas de sua literatura um texto notoriamente regionalista. É visível a aproximação, por exemplo, do contista, também cearense, Moreira Campos. O que pode ser visto, para citar um exemplo, na repetição de diálogos na construção do sentido, como percebido em "Vitorina".
O livro de contos que traz Tércia ao universo da literatura feminina brasileira é perspicaz. Dividido em dezoito contos, a escritora faz um jogo com as figuras religiosas, tendo como protagonistas freira, padre, Madre, franciscano, judas, em contos que variam entre o cenário urbano e interiorano. Os contos, no entanto, no que diz respeito aos que apresentam figuras religiosas, não tratam com zelo e pacermônia as entidades cristalizadas, mas, do contrário, faz uma desconstrução dessas figuras. Uma Madre corrupta, um falso franciscano que mantém um relacionamento homossexual, um padre que se relacionava com uma mulher antes de morrer.
Entretanto, apesar do título sugestivo às temáticas abordadas, há outros contos que fogem do tema e se concentram em um cenário mais urbanístico.
De modo geral, os contos de Tércia, que variam entre três páginas em média, não trazem, em todos, um baque profundo, como é próprio dos contos tradicionais. Não é em todos que há a sensação de arrebatamento a ponto de bestializar o leitor. Porém, ao fim de cada um deles, o leitor toma consciência que Tércia, em suas peculiaridades, sabe o que faz.
                                                                        Wesley Batista

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